quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A maldição dos homens

Era uma noite fria e áspera. Estava sentada em sua cadeira, na sala de sua mãe. Seu olhar era de espanto com aquilo. Como poderia ser? Como tudo aquilo poderia aturdir sua cabeça? Numa noite de dezembro chuvosa, entre seus pensamentos malucos, como aquela notícia poderia deixá-la tão confusa e desnorteada?

Perdera a esperança em qualquer homem nesse mundo. Não teve um pai, uma figura afetiva desde a infância. Na infância mesmo, teve sua inocência roubada por um homem a quem todos do bairro conheciam como "o vidraceiro". Aliás, foi em um serviço desse homem que perdera toda a inocência.

Teria que escrever rápido, pois os pensamentos agora fugiam de sua cabeça. Pedia para seu irmão colocar seu seriado favorito, mas ele apenas queria mexer nesta máquina maravilhosa. A máquina que lhe permitia ver além de seus jogos e que a permitiam escrever aquelas palavras. Acabara de ver em um filme oriental de época: "Ela é uma bruxa!". Será que ela com seus pensamentos malucos e artísticos seria enfim uma bruxa?

Enfim, queria apenas sentir o gosto do amor verdadeiro como nunca sentira. Apenas queria ter um homem a seus pés, um homem que faria de tudo por ela. Apenas um homem não apenas bonito por dentro, mas por fora também. Que compartilhasse de todos seus ideais artísticos e de vida. Que jamais pedisse para escolher entre ele e sua paixão: o teatro. Que jamais pedisse para escolher entre suas outras paixões: sua família, seus amigos - que perdera por causa de um homem, suas paixões, desejos, emoções. Então sempre sonhou que um príncipe encantado a salvaria da solidão, e que ele poderia ser um de seus atores favoritos. Por esse motivo, sempre colecionou milhares de fotos do "ruivo baixote", como dizia sua amiga virtual, a qual lhe fazia bem e sentira saudades. Tivera até fotos do homem que era o "Salvador" em seu seriado favorito, e que era como a brisa do mar para ela. Suave, com uma voz grave e encantadora. Imaginava infantil e inutilmente que algum dia iria conquistar o coração dele, e que nunca se separariam, seriam um só... Para sempre.

Mas como poderia imaginar aquilo se nunca o conhecera? Nunca o tocara? Ao ouvir a voz suave do homem que roubava seus suspiros, aquilo a torturava, pois agora ele era um homem casado! Como gostaria de ter chegado antes, apenas para tê-lo antes que ela!

Mas no fundo essa notícia seria esperada. Sempre fora rejeitada, humilhada, trocada, xingada, magoada... Aquilo a torturava. A vontade de liberar uma lágrima, um lamento de dor era imensa, mas não poderia fazê-lo. Teria de ser forte, para expressar seu amor à família, tentar recuperar os amigos perdidos e, por fim, se entregar definitivamente à sua paixão completa: o teatro.
Assistira um filme no dia anterior, em que o personagem viaja até o inferno para encontrar sua alma gêmea. Quisera ela ter uma alma gêmea também! Por que não? Por que Deus a punia daquela forma? Por que todos os homens a seu redor pareciam inadequados? Seria porque não queria passar o resto de sua vida naquela penumbra? Naquele local onde passou pelos momentos mais difíceis de sua vida?

Mas de que adianta sonhar com o homem perfeito se depois ela enjoaria? Enjoou de todos. De seu primeiro namorado, que a enojava com as feições terríveis de um bárbaro, e atitudes de tal. De seu segundo namorado, que sempre quisera uma outra pessoa além para realizar seus fetiches... Aquilo tudo a enojara de tal forma que havia imaginado a hipótese de passar sua vida inteira sem homem algum a seu lado. Era como se uma avalanche de sentimentos caísse sobre ela. No fundo era apenas uma menina que queria um príncipe encantado. Uma menina que sempre sonhou em uma família feliz e um homem maravilhoso a seu lado. Agora, a pequena menina de 19 anos estivera observando uma ironia: uma emissora que sempre apoiou a ditadura neste país sem lei perdera o apoio e ganhara a indignação de um dos maiores ícones da MPB. Nunca mais Chico pôs os pés naquele lugar... Que agora o homenageava! Quanta ironia neste mundo infeliz e feliz ao mesmo tempo...

Quem sabe não seria assim? A ironia desta forma pudera se aplicar a ela também? Seus sonhos se realizariam?

Seus pensamentos estavam tão confusos... Queria expressá-los a alguém adequado, mas não havia ninguém que conhecesse. Alguém que a entenderia, alguém que a compreenderia...

Ninguém. Era assim que via a seu redor. Estava sozinha em seus pensamentos, vazia em sua vida... Tinha tudo, mas não tinha nada. Faltava algo, não sabia como explicar nem como entender. Talvez fosse muito cedo para compreender o que faltava, o que quisera, o que procurava.

Apenas tentava encontrar uma maneira de expressar seus sentimentos, e sua indignação pelos homens. Todos pelos quais ela se apaixonava, acabavam a magoando. Todos pelos quais ela lutava profundamente, até contra seu orgulho e dignidade, acabavam por feri-la e magoá-la. Todos pelos quais ela sofreu nunca foram dignos de tal sofrimento.

Encontrou dessa maneira a escrita, e agora tentaria a dramaturgia. De toda forma, haviam duas chances: ou daria certo ou, na pior das hipóteses, seria um desastre. Queria expor para todos seus sentimentos descritos nestas poucas linhas, mas, para quem? Seu blog nunca fora popular, muito pelo contrário, sempre fora um desastre. Sempre fora impopular, e sempre pelo mesmo motivo: os malditos homens. Que sempre a magoaram, a impediram de cultivar suas amizades e sempre as perdera por causa deles. Os malditos homens! Se sentia um tanto culpada por essa afirmação, mas ao mesmo tempo satisfeita! Como adorava dizer aquilo! Como desejava que todas as mulheres fossem hermafroditas, para que não dependessem de um maldito homem!

Mas se não existissem homens, não teria seus irmãos queridos, nem seu padrasto amável, nem seu tio longínquo, mas do qual sentia saudades... E nem os grandes artistas dos quais se orgulhava, se espelhava e sonhava...

Queria gritar ao mundo que era livre para amar, para ser feliz! Que era uma pessoa de carne e osso, e que nunca quisera se tornar uma pessoa amargurada e infeliz! Que estava livre para viver sua vida como bem entendesse!