sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Adormecida - Castro Alves

Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos - beijá-la.

Era um quadro celeste!...A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava...a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe...a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!...

E o ramo ora chegava, ora afastava-se...
Mas quando a via despertada a meio,
Pra não zangá-la...sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia,
Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! - tu és a virgem das campinas!
Virgem! - tu és a flor de minha vida!..."

(Espumas Flutuantes, 1870)